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Escolhas...

Enfim estava a caminho.

Depois de um suspiro e um olhar despreocupado pela janela do ônibus, inclinou levemente a cabeça e sorriu...

Enquanto olhava atento observando as pessoas ao seu redor o motor do ônibus soltou um ronco e o coletivo começou a rodar!

Tinha vindo até Carmem para deixá-la a par de seus planos, estava nervoso quando tocou a campanha de sua casa, trazia na mão, entre os dedos, um cigarro que nem chegara a acender, dado o seu nervosismo.

Quando tocou a campainha da casa de Carmem enfiou o cigarro no bolso do paletó e esperou ser atendido.

Carmem o recebeu de braços abertos, sorriso franco a escancarar-lhe a face e em meio a palavras cheias de emoção deixou claro que fazia muito gosto de que tudo se resolvesse entre ele, Argemiro e Laura a sua filha, que a alguns meses deixará a casa e foi morar em São Paulo. Mas deixou claro também que apenas Laura teria condições de decidir o caso deles... A escolha por fim seria apenas dela!

Argemiro bem o sábia, Laura tem um gênio difícil e uma vontade férrea.

Estava finalmente indo á São Paulo e dentro de pouco tempo estaria frente a frente com a sua amada e faria tudo que fosse preciso, neste reencontro, para que seu caso de amor tivesse um final feliz.

Enquanto o ônibus ganhava a estrada Argemiro pensava nas últimas palavras de Carmem:

Minha filha é muito querida e muito amada mas na verdade nestes últimos tempos estava muito estranha também...

Estranha sim... Pensava consigo, derepente veio a transformação e a sua vontade antes tão fraca mostrou-se inflexível e forte demais...

O ônibus ganhava a estrada e pouco a pouco a noite caia sobre ele e o céu se tingia de pontos de luz, piscantes e longincuas...

Quanta saudade trazia dentro do peito, ainda guardava na memória a sensação que suas mãos lhe transmitiram quando acariciara Laura pela última vez... Ainda se lembrava do toque frio de suas lágrimas nas suas mãos que trêmulas acariciavam seu rosto, enquanto uma voz sumida e rala lhe dizia que iria partir...

Não haveria tempo para mais nada. Aquele momento era o único para as despedidas.

E o ônibus ganhava as estradas... E aos poucos o burburinho dentro dele cessava e dava lugar aos roncos de alguns passageiros, aos sussurros de um jovem casal que estava sentado nas poltronas no fundo do ônibus, ao choro de uma menina de colo a sua esquerda e a um rapaz de cabelos lisos sentado a seu lado que de vez em quando se virava em sua direção a lhe oferecer uma latinha de cerveja das que trazia em um isopor que mantinha preso aos pés...

Custou a dormir, pois o odor da bebida estava lhe fazendo mal. E os solavancos esporádicos do ônibus lhe provocavam sobre-saltos recorrentes...

Por volta das três da manhã a menina de colo começou a chorar, queria tete... A mãe cansada e sonolenta relutava em lhe oferecer o peito, parecendo desconfortável onde estava sentada tendo a seu lado como companheiro de viagem um cabra enorme, corpulento, rústico, que pelo visto não era seu marido e muito menos seu acompanhante. E para piorar a situação da mãe não deixava de lhe lançar olhares insistentes...

Mas a criança em prantos procurava o seu alimento obstinada!

Uma voz dentre as pessoas no ônibus de apresenta, exigindo que se calasse a boca daquela criança barulhenta!

A jovem mãe se desesperava... Não tinha a mão outra mamadeira e a criança exigia sugar-lhe o peito, faminta.

E o cabra enorme e rústico a seu lado não deixava de olhá-la e deixá-la assustada e insatisfeita.

Súbito uma senhora vinda das cadeiras da frente se apresenta á mãe desesperada:

Posso pegar a guria? Quem sabe eu não a acalmo?

Traz ela aqui, meu bem... Vovô aqui vai cuidar bem dela... Disse um homem á senhora, num tom doce e calmo...

Isso vovô, faz alguma coisa, que eu quero dormir, pô!

Enquanto nada era decidido, a menina não parou de chorar, nem a chupeta em sua boca lhe trazia algum contentamento...

Os olhos do homem rústico não se desgrudavam da jovem mãe em pânico...

Dentro de pouco tempo o pessoal dentro do ônibus estava totalmente acordado e nervoso...

Só o passageiro ao lado de Argemiro não se manifestou, pois estava totalmente embebedado.

Súbito um raio de sol tocou a face de Argemiro, estava enfim amanhecendo, sua primeira noite de viagem, que fora uma porcaria, estava chegando ao fim.

Foi feita uma parada em um posto onde a mãe da menina tratou logo de lhe dar os devidos cuidados...

Argemiro aproveitou a parada para chegar-se á mulher e com tato lhe perguntou o que havia acontecido com a menina naquela madrugada.

Ela sem graça lhe disse:

Estou em minha primeira viagem com minha filha e não me preparei bem para enfrentá-la. Estou indo a São Paulo na esperança de me encontrar com o pai de minha filha, que me deixou a algum tempo, após o nascimento dela, dizendo que iria para a cidade grande na esperança de um futuro melhor para nós...

Argemiro deu de ombros e despedindo-se começou a caminhar pelo pátio da parada, viu o casalzinho em um canto, estavam brigando novamente...

Passou a mão pela testa que suava, procurando com os olhos o casal de velhos que foram tão compreensivos e amigos naquele episódio... Não haviam descido do ônibus... Descansavam em paz em suas poltronas!

Argemiro comprou uma coca e enquanto bebia começou a pensar em Laura...

Seriam por fim como o casal de jovens, briguentos?

Seriam como o casal de velhos, unidos?

Laura seria como a mãe inexperiente e pudica, com medo de tudo?

Teria pensado nele, pelo menos?

Tantas duvidas na mente fez com que Argemiro quase perdesse a hora do embarque no ônibus pois a viagem recomeçava...

O dia de viagem transcorreu calmamente.

Na segunda noite de viagem o bebum deu um show... Cantava suas canções em voz alta, falava palavras desconexas, até que adormeceu...

O rapaz ainda brigava com sua companheira de viagem.

O homem rústico ainda olhava insistentemente para a jovem mãe a seu lado, só a menina parecia mais calma.

O casal de velhos fazia palavras cruzadas, sentados juntinhos em suas poltronas...

Na segunda parada Argemiro ligou para Carmem para dar noticias da viagem, mas na terceira parada pensou em ligar para Laura para dizer de sua chegada, mas desistiu, inseguro e nervoso!

Será que ela gostará de vê-lo, será que o receberá com alegria e amor, com alguma saudade e carinho?

Tantas duvidas, em seu pensamento... O que seria deles?

Finalmente no quarto dia, finalmente colocou os pés na rodoviária de São Paulo, estava cansado e desalinhado, mas sentia-se feliz... Estava próximo de desvendar o seu futuro...

Pegou um pedaço de papel de dentro do bolso da calça, leu o endereço e tomou um táxi indo em direção de seu sonho de amor...

Enquanto cruzava São Paulo, tentou arrumar-se um pouco, tentanto tonar menor o seu desalinho!

Algumas horas após, tocou a campainha duma casa terrêa, caiada de amarelo, numa rua morta, dum bairro distante.

Minutos após uma jovem de cabelos cortados bem curtos, lhe atende falando entre dentes: Quem é?

Sou Argemiro, sra. Queria falar com Laura, ela esta?

A jovem virando a face para traz, para dentro da casa falou:

Laura, conhece algum Argemiro?

Não bem, não conheço, falou uma voz distante...

Olha, moço, minha mulher não te conhece não...

Mas o endereço, balbuciou Argemiro, vem ver por favor...

Minha mulher chama Laura sim, mas acabou de dizer que não conhece nenhum Argemiro não...

Com a insistência de Argemiro a jovem chama a sua Laura até a porta, esta em roupas curtas e grudadas ao corpo vem á porta sem medo, quase gritando...

Eu disse que não conheço nenhum Argemiro...

A voz no entanto foi sumindo enquanto seus olhos tocavam a face do rapaz parado estático a sua frente...

Agora estava claro, Argemiro nem se deu ao trabalho de falar nada, olhar paralisado no rosto de Laura, foi dando as costas àquelas pessoas, pois não conhecia nenhuma delas... Não mais...

O endereço estava errado, Carmem se confundira!

O seu sonho estava irremediavelmente perdido agora... Foi tudo um engano!

Enquanto ganhava novamente a rua, trêmulo e desorientado, pensou lembrar-se da face da companheira de Laura, pensou tê-la visto de relance na pracinha de sua cidade alguns meses antes...

Mas estava com os pensamentos confusos e os passos trôpegos e sem direção!

Lágrimas queriam escorrer em sua face, sentia um buraco em seu peito, não sentia o seu próprio coração!

Passou a mão pelos cabelos em desalinho, estavam molhados, procurou um lenço nos bolsos do paletó... Mas só encontrou o cigarro que não fumara quatro dias atraz...

Procurou sem pensar pelos fósforos...

Levou o cigarro á boca... Deu uma tragada... Tossiu com a fumaça...

A vida era sua, pensou rápido, sem se dar conta com o que pensava... A escolha era apenas sua sobre o que iria fazer a partir dali com sua vida...

Jogou o cigarro fora, ficara com um gosto amargo na boca...

Faria tudo, quase tudo, não iria se matar!

 

 

Edvaldo Rosa
Enviado por Edvaldo Rosa em 01/04/2008
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