Borges foi ter comigo, um dedo de prosa, na sala lá de minha casa. Confesso que por mais atenção que lhe tenha dado, um pouco de sua fala, constituiu-se em enigmas, deixados para que o correr do tempo tente decifrar... Como fluem as palavras de Borges, rio caudaloso, que sempre desemboca no mar! E como o mar de Borges é imenso! Como são ao mesmo tempo intensas as forças de suas águas e profundas... Talvez a não interação com sua fala, tenha sido um medo presente em mim, de deixar-me naufragar... Ou ainda, talvez o que me constitui não tenha peso, para que eu me aprofunde em águas tão densas... Mas, um encontro assim, com um mestre da palavra, deixa por mais tênue que seja marcas em nossas consciências, qual feridas abertas, que doem tanto, enquanto o tempo não às venha fechar... Fiquei pensando nas palavras, oriundas da boca do mestre, sabendo que sua nascente, precede a apreensão que ele, Borges, fez delas no decorrer de sua vida quase centenária! Em “undr” arrepiou-me os cabelos a ideia de que o entendimento do que se passa, do que se vive, é mister das últimas horas... Entende-se a vida, somente quando estamos prestes a perdê-la! E da compreensão dos velhos, quase moribundos, apenas conseguimos ter um precário entendimento. Seria esta a mensagem do velho mestre? Não sei quando ocorreu em mim a tal “noite dos dons”, mas penso que estes, os dons, que recebi, não foram nem o amor, nem a vida, mas a palavra, que tornou-se para mim quase libertária; mostrou-me as minhas correntes, pós luz em minha cela, mostrou-me como me evadir dela... Mas a palavra, também pós luz nas realidades circunvizinhas, paralelas á que eu vivia: - O que aprisiona os homens é uma cadeia com elos imensos, desvencilhar-se de um é conhecer o próximo. Entendi assim as palavras do mestre, mas não pude abster-me de lembrar da amargura vivenciada por Sísifo! Vou pulando etapas da conversa que tive com Borges, sob a luz tênue da tarde, que adentrava pelas frestas da cortina na sala, não por que não relembre as palavras dele, mas porque muitas delas ainda ecoam em mim, sem alcançarem morada certa... No “o livro de areia”, fantasia fundida á realidade, parei por instantes... Meu pensamento imaginou não um objeto, uma coisa, que abarcasse os conceitos ditados pelo mestre, pensei no ser humano, que a despeito de conhecer-se, não se conhece tanto assim... A natureza do ser humano é um intrincado quebra cabeça, que por mais conhecido que seja, sempre falta alguma peça, que constitua seu conhecimento pleno... O ser humano é assim um “livro de areia”, suas páginas iniciais, e suas páginas finais são um estrondoso mistério! Temos ainda um precário entendimento das páginas centrais desta obra que somos, que construímos a cada instante que vivemos... No ponto de fulgor de nossas vidas, onde a loucura ou a sanidade nos espera, - a loucura da morte nos leva ao nada, ao aniquilamento total, ou á sanidade de altas esferas, onde adentramos á eternidade, somos “o livro de areia” que é colocado na estante da biblioteca da vida, para que ganhemos o esquecimento da espécie... Não esqueçamos que é fato: De tempos em tempos, temos que por abaixo, com fogo que seja a grande biblioteca de Alexandria, em que se constitui toda a experiência acumulada em nossa vida! Mas, o fato é que esta primeira conversa com Borges trouxe-me mais perguntas do que respostas, e lá na minha sala, em meio ao silêncio, esperarei um próximo encontro, para ao pé da conversa, termos mais um dedo de prosa! Aqui, longe da luz e da sombra do grande mestre, fico maturando os conhecimentos adquiridos, urdindo umas linhas... Fica em mim um pensamento já antigo, acentuado pelo velho amigo Gaiarsa, - Ninguém aprende a se amar sozinho! Que ao pé de meu ouvido, quase num murmúrio, disse-me um dia. Do que conclui; ninguém aprende a viver sozinho! Assim, caro leitor de minhas linhas, fique tranquilo, pois dia menos dia também te procurarei para um tantinho de prosa... Pois os teus olhos tem a luz que me mostram o melhor caminho, dentre as mais diferentes direções que se apresentam ao meu passo cheio de pressa. Não posso e nem quero caminhar sozinho! Espero que você também nem o queira e nem possa! Tua sensibilidade, teus olhos, é a luz de farol que me indicam os caminhos, da mesma forma que são Borges, Gaiarsa, Neruda, que de dedinho de prosa em dedinho de prosa, ao pé da conversa, sob a luz tênue de minha sala, fazem com que minhas letras tenham algum peso, e minha existência faça algum sentido, enquanto á prateleira da vida a minha vida não seja imposta! Em tempo; recuso tanto espelhos quanto máscaras...