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SONS COM GOSTO DE PASSADO...
 
O silêncio foi quebrado, pelo som de palavras carregadas com gosto de passado...
Pelo telefone, estávamos frente a frente, sem vermos nossos semblantes, sem fixarmos nossos olhos um no outro... Mas, nem me parece ser preciso tal contato...
Sinto, cada vez que conversamos, uma aproximação, que fraternalmente vai aparando as arestas em nossas vidas...
A nossa voz traz consigo, juventude, inocência, despreocupações, tão cheia de infância...
Falamos sobre erros e ausências, mas não nos agredimos nem nos mal dizemos, a vida que levamos nos tem deixado nos extremos... O telefonema constitui um ponto de contato, e prazeroso, e alegre, e amigo...
Entre nós, erros se transformam em picantes tiradas de humor...
Brindando á vida, fazemos troça de tudo e todos, inclusive de nós mesmos...
E rimos!
É engraçado, pelo telefone, somos mais amigos do um dia fôramos...
E em oportunidades raras, um corpo a corpo não desfaz essa sensação, que presumo não ser só minha!
Somos parentes, primos...
Membros de uma família desfacelada, por óbitos e omissões!
Penso que pior mesmo, são estas tais omissões...
Fazemos nossa parte, nossos telefonemas esporádicos, são a um tempo uma cal nova em velhas paredes, manchadas de tempo... E num outro momento, uma porção de massa, que tampa os rombos em nossas vidas, em nossas almas, em nossos corações...
Ela, minha prima, detém em sua memória, uma parte da história de nossa família, que eu não tenho comigo... E eu, outra parte, que ela não tem consigo...
Somos dois caminhos que se encontram... Ou reencontram, a mercê de um telefonema!
Como as nossas vidas vieram a desbocar nisso?
Como a história de nossas vidas, de nossas famílias, achou por bem resumir-se em tão pouco?
Com mais perguntas do que respostas, em minha mente, vou escrevendo, escrevendo e relembrando...
Éramos tão pequenos, quando nossas famílias se relacionavam... Nossas famílias? Não deveria ser uma família só?
Fomos crescendo, e este seguir em frente se constituiu em afastamento.
Mas, pelo menos nós dois não estamos tão alheios á existência um do outro!
E os meus irmãos, os outros primos dela?
E o irmão dela, o único primo nosso, deste lado da família?
Nada!
Restá-nos apenas o contato telefônico...
As vozes doces, com sabor de infância, o não fazer conta de nossas faltas, aproximam nossas almas, aquecendo os nossos corações...
E vamos falando de nossos filhos, de nossas vidas paralelas... Ela fala do marido, eu de minha esposa...
O fluxo da conversa sempre se quebra...
Súbito, voltamos ao ponto de partida; o Jardim da Luz, o correto, que naquele tempo, estava sempre vazio, a sombra das árvores, onde sentávamos, para um lanche rápido... Sob os olhos de nossas mães...
E rindo, lembramos da chuva de insetos, que em uma tarde qualquer, daquele tempo passado, fez-se sobre os ombros de minha mãe aos gritos... E rimos juntos, sorrisos irmanados, num telefonema tão fortuito...
Fixando o pensamento nestes fatos, sinto que nossas vidas se resumem em pretéritos imperfeitos... Esta tudo inacabado, existindo sem existir... Findo, sem ter findado!
Esta me parece a benção e a maldição da memória...
Luz e sombra, companhia e solidão, misturando-se de tempos em tempos...
E ambos, ela e eu, vamos nos apossando dos tempos de agora, das pessoas de agora, para não nos sentirmos sós...
As almas, que animam nossos corpos, nossas mentes, que criam idéias, que relêem memórias, são a um mesmo tempo plenas de companhias e sós...
Os esporádicos telefonemas, são pontos de contato, território livre de cobranças, plenos de amizade e confiança, os telefonemas são as searas em que nos refazemos...
Quantas pessoas não matam saudades assim?
Quantos não vivem nestes momentos, instantes de paz?
Para algumas pessoas o passar do tempo não foi tão positivo!
E o tempo é na verdade a única coisa que há! Que resta!
Cada telefonema nosso, é um olhar por uma fresta, é um se apoderar de um feixe de luz, terno, quente, é um tocar nas nossas infâncias...
É um alento! É uma alegria, com uma ponta solta de tristeza...
Mas em cada telefonema, despindo-nos de nossas mágoas, de nossas ausências, de nossas faltas e erros, nós nos comportamos como nós mesmos...
Sem fantasias e máscaras...
Somos crianças que tem família, pais, irmãos...
Passeios no Jardim da Luz...
Piqueniques recheados de guloseimas!
Viagens no trem da sorocabana...
Mas, a vida sempre passa, como os trens da sorocabana passavam, e este movimento é uma benção e uma praga!
É uma benção, quando mostra que somos ainda os mesmos...
É uma praga, quando põe a mostra a nossa solidão!
 
Edvaldo Rosa
www.sacpaixao.net
13/12/2010
 
 
 
 
Edvaldo Rosa
Enviado por Edvaldo Rosa em 13/12/2010
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