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10/05/2006 21h00
Apresentação da Cooperifa: Poesia da/na periferia
poesia da/na periferia
dez 2005
por Thiago Rosenberg / Retirado do site do Itaú Cultural
Foto: Cia da Foto

O bar Zé Batidão fica no Jardim Guarujá, zona sul de São Paulo. \"Deveria se chamar Zé do Batidão\", diz o proprietário, José Cláudio Rosa, \"mas o pessoal que fez o toldo não escreveu o \'do\', então o nome ficou assim mesmo\". Próximo ao Capão Redondo, o estabelecimento recebe, todas as quartas-feiras, visitantes de vários cantos, que se reúnem não para beber ou conversar, mas para ler e ouvir poesia. É o Sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia). Nas palavras de Sérgio Vaz, um dos seus idealizadores: \"É o nosso teatro, museu, cinema, arena de discussões, centro cultural\".

Quarta-feira gelada de outubro. Às 20h30, o local ainda está relativamente vazio. Mas as mesas, estrategicamente posicionadas, já indicam a quantidade de pessoas que, com sorte, as ocuparão. Os poetas e espectadores vão chegando, alegres como se estivessem há tempo aguardando pelo evento. Cumprimentam todos, até aqueles que vêm pela primeira vez. Ninguém é estranho.


No \"palco\", à altura do público, um microfone e duas bandeiras: a do Brasil e outra que diz, em letras vermelhas sobre um fundo branco, que \"o silêncio é uma prece\". E essa é a regra fundamental. O silêncio só pode ser rompido pela voz dos poetas e pelas palmas, sempre calorosas, que lhes serão atribuídas.

Antes de apresentar o primeiro poeta da noite, Marcio Batista passa a palavra ao vereador e professor Carlos Giannazi. Ele convida a comunidade a participar da assembléia na qual será discutida a implementação de uma universidade pública na zona sul. \"Ainda não está nada decidido, mas nós devemos continuar lutando\". Não há rimas ou aliterações em sua fala, mas o público recebe-a como poesia.

Aqueles que visitam o sarau pela primeira vez também são anunciados e, é claro, aplaudidos. Dadas as boas-vindas, a poesia começa efetivamente, em versos dos mais variados temas e estilos. Exclusão, liberdade, amor, família, sexo, amizade, alegria... Uns trazem de casa, outros escrevem lá mesmo, na mesa do bar. Allan da Rosa, que lançou recentemente Vão, seu livro de estréia, semeia o público de esperança. Gaspar Záfrica Brasil, sucessor de Vinícius de Moraes no cargo de \"branco mais preto do Brasil\", desabafa um hip-hop nervoso, bem diferente, neste caso, do que fazia o Poetinha. Há homenagem ao falecido Ronald Golias, rapazes - alguns encabulados - cantam o amor vestido de rap e mulheres usam os versos para clamar por seus direitos.

Atravessando a ponte
Semanas depois, no domingo, 30 de outubro, a Cooperifa cruza o mar de asfalto que a separa do centro da cidade - e das atenções. Integrando a programação do Triângulo das Leituras, organizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Sesc e a Casa das Rosas, o sarau assume a forma de espetáculo. Num palco, não mais à altura do público, os poetas têm à disposição potentes caixas de som e microfones. \"Estamos acostumados com os nossos equipamentos\", brinca Vaz, ao notar que todos, na esquina da avenida Paulista com a rua Leôncio de Carvalho, o escutam claramente.

Ao apresentar a Cooperifa, o poeta Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas e integrante do grupo Viva Voz, define-a como um dos movimentos mais expressivos da literatura nacional do início do século XXI. \"É uma das coisas mais bonitas e significativas que acontecem hoje em dia\", diz.

Em dado momento, Marco Pezão, co-fundador do movimento, sobe ao palco. \"Nós é bonde e atravessa qualquer rio\", exclama ele repetidas vezes no poema recitado. E é justamente o atravessar que pauta grande parte do evento. Um atravessar não apenas físico, da periferia ao centro, mas também lingüístico, rítmico, social. Pelos altos e luxuosos edifícios da Paulista, por suas inúmeras agências bancárias e instituições culturais, quase inexistentes nas bordas da cidade, versos escancaram o que, nas palavras de Vaz, representa a \"periferia que o Datena não mostra na televisão\".

A periferia que se apresentou naquele palco não é a periferia de pais que forçam os filhos a trabalhar, mas sim de pais como Mavot Sirk, apontado por Vaz como um \"pai déspota, que obriga o filho a fazer poesia\". É a periferia de pessoas honestas e batalhadoras como Valmir Vieira, que começou a escrever poesia após o contato com o sarau, ou Seu Lourival, que, com um idioma próprio, mas tão eficaz quanto o tradicional - \"de onde viemos, a gramática e a crase não humilham mais ninguém\", afirma Vaz -, também teve sua veia poética instigada pela Cooperifa.

Diante de tal cenário, pode até surgir a dúvida: \"O Sarau da Cooperifa perde a validade fora da periferia?\" Neste caso, a resposta é, certamente, não. \"A essência somos nós\", comenta Cucão, que forma, ao lado de William, a dupla Versão Popular. Sales, outro freqüentador e participante dos saraus, explica: \"A poesia pode ser lida aqui, mas os nossos pensamentos começam na periferia\".
Publicado por Edvaldo Rosa
em 10/05/2006 às 21h00